terça-feira, 2 de abril de 2013

Europa, o resumo - não leia se não gosta de saber o final!

1. Europa (1991)
Um jovem rapaz, Leopold Kessler (Jean-Marc Barr), vem de uma acolhedora América para uma Alemanha completamente destruída pela Guerra, onde o desemprego e a inflação fustigam toda a população e onde as doenças se propagam. Os segundos iniciais em que somos conduzidos, em primeira pessoa, por uma linha de ferro, são acompanhados por uma característica voz de serenidade, que nos prepara para o que vamos ter quando chegarmos "à Europa", quase empatando a nossa expedição, tentando fazer-nos parar.
A imagem está quase sempre a preto e branco, com o grande papel das tenebrosas cenas na caracterização grotesta do continente a que chegamos. Kessler vai trabalhar para os caminhos-de-ferro para ajudar a reconstruir o país de onde partiu. Na verdade, o desenvolvimento dos transportes é um dos pontos fulcrais para a recuperação social e económica da ex-potência mundial, que assume, desde logo, uma nova filosofia de cooperação e união, ao empregar um estrangeiro apesar os inúmeros desempregados nacionais que vão desesperando.
Mas a paz não vive descansada. Os lobbies contornam as novas regras e a resistência nazi ainda se faz sentir. Max Hartmann, dono da companhia ferroviária onde trabalha Kessler, a Zentropa, consegue a cooperação de um judeu, num processo de inspecção, para se livrar de possíveis acusações de colaboração com o III Reich, mas apenas até se suicidar. A cena é absolutamente brutal, com o sangue a transbordar da banheira e a fluir até ao corredor, para terror da sua filha Katharina e de Leopold. O resultado de uma consciência pesada, que nos deixa a balançar entre a o contentamento pelo castigo que sofre, e a complacência com o arrependimento profundo que revela sentir. É este último que acaba por prevalecer, com a luta clandestina que várias pessoas têm para garantir um funeral digno ao empresário.
Depois da cena da banheira, são as cenas entre Leopold e Katharina aquelas em que surge a imagem a cores, um reforço da emoção, da esperança que pode emergir. Uma paixão que brota e que admite sobrepor-se a todas as dificuldades, com a cena de sexo em cima de uma linha de comboio em miniatura simbolizando, julgo eu, a superioridade da sua relação a qualquer guerra, a qualquer reconstrução, a qualquer intriga ou traição.
Tudo acaba por complicar-se. Sem querer, Kessler é cúmplice no assassinato de um político da confiança dos aliados. A confusão instala-se no seu interior e o medo eleva-a ao estado de loucura quando os Werewolf, resistência nazi, raptam a sua amada, exigindo que coloque uma bomba no comboio, aquando da passagem numa ponte.
É a partir daqui que assistimos aos verdadeiros desafios do nosso personagem. Chega como herói e tem de sair como mais um dos cultores da desgraça. Chega como um romântico enamorado e tem de sair um desgraçado viúvo. Chega como um estagiário promissor e enfrenta um exame que não consegue levar a sério, por tudo o que o perturba. Agora, tudo se passa num comboio, um espaço fechado mas em contínuo movimento, criando a dicotomia entre a claustrofobia, o destino fatídico da perda a que não pode fugir (ou o seu amor ou a sua dignidade/lealdade/patriotismo) e a estrada infindável, a esperança de um novo rumo.
O twist final é absolutamente fantástico. Katharina era ela mesma um membro do grupo nazi Werewolf, ainda que lute por autonomizar a influência que deveria exercer sobre Leopold do amor que acabou por sentir por ele. Desesperado, louco, finalmente deixando para trás a ingenuidade que o trouxe à Europa, confrontado com um mundo cínico, hipócrita e sedento de poder e vingança, depois de assaltado na sua última esperança, desiste de desactivar a bomba que lhe havia toldado o espírito e voltado a iluminar a alma (a certa altura vai tentar voltar atrás), para deixar acontecer a explosão. Morre afogado, em mais uma sequência em que o narrador nos tenta absorver para o local, contando até dez e deixando-nos antecipar a dolorosa morte - a contagem vai em 6 e já sentia aflição.

(retirado daqui: http://agentenaove.blogspot.com/2010/06/lars-von-trier-trilogia-europa.html)

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